quarta-feira, 22 de julho de 2009

Era só mais um...

Era um mero sem rosto que passava pelas ruas da cidade. Não tinha expressão nenhuma, mal sabia quando tinha sido a última vez que chorou, a última vez que riu. Realmente não se lembrava e não entendia porque a vida dos outros era colorida, não entendia porque as pessoas se emocionavam, não entendia nada.
Mantinha uma postura indiferente para todas as situações da vida. Como já foi dito no começo do texto: “era um mero sem rosto que passava pelas ruas da cidade”, aquele tipo de pessoa que não faz diferença na vida de ninguém, que não ajuda e nem atrapalha, que não serve de mau e nem de bom exemplo.
Durante o longo caminho que percorria de casa até o trabalho, enquanto passava pelas ruas, avenidas, travessas e esquinas começou a pensar. Era tão metódico, tão sistemático e fazia tudo como se fosse uma máquina que nem pensar pensava, e por aquela dia resolveu fazer isso. Um raro acontecimento, por sinal.
Em primeiro lugar começou a travar um diálogo com seu próprio inconsciente e se indagava sobre coisas que nunca tinha se importado. Lembrara que no dia anterior e em praticamente todos os dias de sua vida não se emocionava com nada. Sua primeira pergunta foi: “quando chorei pela última vez?” A mesma não adquiriu resposta instantânea e o pobre rapaz teve que resgatar coisas que até então estavam esquecidas em um canto empoeirado de sua mente. Chegou à conclusão que lágrimas caíram dos seus olhos quando ainda era jovem, quando ainda cursava o ensino médio. O motivo... Não se lembrava exatamente do motivo. Só sabia que fazia mais de dez anos que não chorava.
Ficou chocado com tal descoberta e logo foi para o segundo questionamento: “e quando será que foi a última vez que sorri?” Dessa vez a resposta apareceu com mais rapidez, tinha sido uns dois anos atrás quando realizou um dos seus maiores sonhos: produzir um filme.
Tal produção recebeu prêmios, teve um merecido sucesso. Ele, totalmente deslumbrado, largou tudo, gastou todo o dinheiro e penhorou todos os prêmios para sobreviver. De um profissional renomado, passou a ser alguém totalmente decadente e dependente da ajuda dos poucos amigos que restaram.
Para não passar fome arrumou um emprego medíocre em uma empresa mais medíocre ainda. De sonhador passou a ser alguém completamente conformado com a vida que levava. De certo teve aquela típica reação natural de quem toma um baque na vida e resolveu desistir de tudo... antes mesmo de começar.
Durante esse meio tempo apareceu em sua mente que tinha outros planos além desse que realizou. Passou a adolescência inteira querendo escrever um livro, querendo morar fora do país e tentar ser conhecido internacionalmente. Devido à primeira queda, desistiu de tudo e de todos.
Largou a antiga namorada, fugiu do convívio familiar e se isolou. Tentou se isolar na cidade movimentada que vivia. Chegou a receber cartas, telefonemas e visitas, só que sempre dispensava. Foi por esse motivo que poucos amigos sobraram. Esses que restaram foram aqueles que insistiram e que ainda o estimulavam para uma vida melhor.
Parecia que tinha acordado de um transe quando se deu conta que estava perto do lugar onde trabalha. Resolveu dar meia volta, sentou-se na pracinha com um pacote de pipoca na mão e continuou a refletir.
Algo de diferente estava acontecendo, uma força, uma vontade de mudar a situação o sucumbia. Parecia que algum tipo de animal selvagem preso há anos dentro de uma jaula queria se libertar de dentro dele.
Levantou de onde estava sentado, jogou o saquinho de pipoca abruptamente dentro do lixo e seguiu para o escritório onde passava doze horas sagradas de seu dia. Antes de se demitir foi até a sua sala e uma única frase martelava em sua cabeça: “aqui não fico mais, nesse emprego medíocre com esse chefe estúpido e recebendo essa mixaria que ganho todo final do mês. Não sei o que farei da minha vida, mas aqui não fico mais.”
Seguiu para a sala de seu patrão, disse tudo que sentiu vontade, deu meia volta e voltou para a casa. Logo que chegou, ligou para todos seus amigos, pediu ajuda e decidiu correr atrás.
Todos negaram, e por instante sentiu uma tristeza profunda. De repente o telefone tocou. Era voz de uma mulher e no início não tinha reconhecido quem era a dona daquela voz bela e suave.
Aos poucos foi se dando conta que estava ao telefone com sua ex-namorada, aquela que largou há uns anos atrás. Ela tinha ligado para oferecer uma oportunidade de trabalho já que trabalhava como caçadora de talentos. Procurava alguém diferente, requintado, cheio de sonhos e que estava disposto a ter coragem para lutar.
Ele realmente não imaginava que falaria com ela novamente, mas mesmo assim resolveu aceitar sua proposta. Aproveitou para se explicar e dizer que sempre a amou, e que só naquele momento tinha percebido tal fato.
Nenhuma voz se encontrava do outro lado da linha. De instância acreditou que a ligação tinha caído, entrou em desespero. De repente a moça desatou-se a chorar, disse que estava prestes a ir embora do país por problemas familiares e de saúde e que aquela seria última vez que eles se conversariam.
Disse também que tinha prometido que não o deixaria sem um futuro já que acreditava em seu potencial. Na realidade o que ela mais queria é que ele fosse seu sucessor na tal empresa que trabalhava. Não mexia diretamente com cinema, mas oferecer aquela oportunidade seria um bom caminho andado, e que ficaria ofendida se ele não aceitasse.
Acabou aceitando, quando a voz do outro lado se emudeceu. Novamente entrou em desespero, dizia “alô” compulsivamente até perceber que ninguém estava mais do outro lado da linha. Não tinha seu endereço, mal sabia seu telefone...

Um comentário:

André Luiz disse...

Muito profundo,foi ótimo pra mim ter lido,algumas atitudes como as dele as vezes me pegam e preciso repensa-las. Ótimo texto Gabi,Parabéns.