As mãos ensanguentadas denunciavam o que tinha acabado de fazer. De fato, nunca tinha tocado numa arma. Mas vocês sabem, sempre há a primeira vez. Por isso, temia que a atitude impensada e precipitada de horas antes se transformasse em um vício.
Não estava arrependido, muito menos amedrontado. O que sentia era uma profunda paz de ter se livrado de um estorvo, de algo que o incomodou a vida inteira. Na verdade, em sua imaginação, tinha esquematizado tudo. Um pouco de tortura a sangue frio e depois boom, tiros em lugares estratégicos, mas que permitissem que a pessoa permanecesse viva e sofrendo durante um bom tempo. O prazer estava em vê-lo agonizar.
Por causa da postura calma e cordial ninguém nunca desconfiou do ódio que conservava. No entanto, alguns comentavam que essas características apenas mascaravam quem ele realmente era. Pois bem, todos tinham razão.
Era uma noite fria de um mês que não merece ser lembrado. Depois de tantas discussões, estava ainda mais certo do que deveria fazer. Abriu a porta e mergulhou na escuridão que tomava todos os cômodos daquele apartamento. Naquele horário certamente não teria ninguém por lá.
Sentou no sofá como se fosse o dono da casa. Estirou os pés na mesa de centro e sem fazer muito esforço, enfiou a mão em uma das gavetas da mesinha que estava ao lado. Sentiu o peso da arma em sua mão e após essa sensação, encontrou uma faca no mesmo lugar. Por uns instantes, pensou em desistir da ideia.
- Talvez eu esteja sendo injusto demais. Afinal, crescemos juntos e dividimos os melhores momentos de nossas vidas – pensou durante alguns instantes – Quer saber, quero mais é que se foda. Não pedi pra ele me envolver em todas essas confusões. Não quero ninguém me perseguindo e me culpando por atitudes que não foram minhas. Chega!
O barulho na fechadura indicava que alguém estava chegando. Acendeu as luzes e se deparou com seu melhor amigo sentado no sofá. De tão alegre, se esqueceu de que tinha tido um dia estressante de trabalho e que estava cansado. Afinal, a última vez que se viram foi em uma noite em um bar, que também não merece ser lembrada.
- Fausto, nem acredito que você apareceu! Depois daquela noite no bar, a gente nunca mais se viu. Tento te ligar, mas você nunca atende meus telefonemas. Tinha até pensando em ir até a sua casa. O que aconteceu? – disse.
De supetão, Fausto pegou a arma e já foi apontando em direção de seu amigo. Se estivesse consciente de seus atos certamente teria dado uns quatro tiros em lugares estratégicos. Mas não. Queria vê-lo implorar para continuar vivo.
- Cara, larga essa arma. Não entendo porque você está fazendo isso. Você só pode estar de brincadeira – falava enquanto se aproximava.
- Aí é que você se engana, Otávio. Não te perdoo pelo o que você fez. Por sua culpa, tô encrencado. Você não merece nem a metade da sua vida!
- Porra, Fausto! Para com isso! Chega com essa brincadeira. Já deu. Você não pode levar isso adiante. Devolve essa arma agora! – esbravejou.
- Mas é um cretino mesmo! – falava enquanto engatilhava a arma – A merda da sua arma tem apenas uma bala, ou seja, se você não morrer de primeira, serei obrigado a te esfaquear aos poucos.
- Cara, você tá louco! Você seria incapaz de tomar uma atitude dessas – disse com a voz tremendo
Certo do que estava fazendo, aponto a arma em direção a Otávio, que logo se jogou no chão. Por sorte – ou azar, o tiro não foi disparado. Irritado, Fausto pegou a faca e a afundou no braço de seu antigo amigo. Ele gritou de dor.
- Puta que pariu, Fausto! Você tá surtando. Larga essa porra agora! – gritou enquanto tentava tirar a faca dele.
Esperto, ele encravou a faca na mão de Otávio. O sangue escorria por toda a sala. Entre gritos e ameaças, Fausto estava prestes a dar o seu golpe final.
- A gente sempre foi amigo demais. Por que é que você tá fazendo isso? Pode me explicar – mesmo sem forças, Otávio tentava falar.
- Larga de ser otário. Você sabe o que me deixou irritado. É um puta de um fingido mesmo! – disse com a arma apontada para cabeça de Otávio.
- Larga essa arma, meu! Para com isso. Vamos conversar que nem gente civilizada. Se você não me falar, não tem como eu saber o que tá acontecendo, nem te pedir desculpas. Poxa, larga essa arma! - implorou
Otávio sempre teve a péssima mania de beber e esquecer-se de tudo o que acontecia. Em uma noite, os amigos foram para o bar e ele bebeu descontroladamente. Sem ter um motivo que valesse a pena, um rapaz começou a provocá-lo. Como já era o esperado, ele levantou-se da mesa e já foi partindo para a briga.
Após tanta pancadaria, descobriu que o cara com quem tinha brigado era parceiro de uns rapazes bem perigosos, que acabaram o confundido com Fausto e passaram a persegui-lo. Além das ameaças, já tinha apanhado diversas vezes. Quando reagia, os socos e pontapés se intensificavam cada vez. Por pouco não morreu.
Poderia sim ter conversado com seu amigo, porém, acreditava que a situação estava insustentável. Não tinha mais liberdade, não tinha mais o direito de ir aos lugares que mais frequentava. E para ao menos tentar aliviar a tensão e o tempo que perdeu, resolveu que se vingaria do culpado dessa mudança brusca: o antigo amigo.
Depois de ter esfaqueado Otávio em todos os lugares do corpo, estava decidido que tentaria atirar mais uma vez. Caso acertasse, sorte. Caso errasse, encontraria outra maneira de matá-lo.
- Essa é a sua última chance – puxou o gatilho e viu a bala quase atingir o coração de Otávio.
- Fausto, seu grande filho da... – sussurrou – Pensei que você não fosse levar isso adiante – disse com muita dificuldade.
Não respondeu. Apenas ficou contemplando aquela cena. Após perceber que Otávio não estava mais vivo, largou a arma na mesinha da sala e foi embora. Estava ciente de que os problemas ainda não tinham acabado, mas dessa vez, sabia bem como se defenderia.
Um comentário:
Confesso que é uma história bem diferente das que eu costumo ler por esse mundo dos blogueiros. Mas, por ser diferente, prendeu a minha atenção. Eu gosto de histórias assim, de suspense, que nos deixam com uma expectativa em busca do final, sabe? E você escreveu muito bem. Como disse antes, estava com saudades de te ler! Beijos, @pequenatiss.
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