Um copo de cachaça em cima da mesa e na boca o cigarro mais barato que vendia naquele bar. Tragava-o como se fosse seu melhor amigo. Como se fosse aquele companheiro de aventuras do primário, aquele colega travesso que sentava na última cadeira do fundão.
Na verdade, ele antecipava as quartas-feiras como quem antecipa a próxima existência. Já estava estafado de existir. Não agüentava mais aquela rotina de bar em bar. Desconhecia a sobriedade, a humildade. Só pensava no que cantaria, nas próximas músicas que ouviria nos botecos que ainda pretendia freqüentar.
Pensava também nas decepções. Dizia sempre que era composto totalmente por elas. Que foram elas que o trouxeram para essa vida. E que eram elas mesmas que o impediam de abandonar algumas convicções que um dia criou.
“O amor simplesmente fechou as portas para mim quando se permitiu transformar em desamor”, proferiu depois do milésimo copo de cachaça para o desconhecido da mesa ao lado que não entendeu nada.
Convenhamos que cada um bebe por um motivo diferente, e certamente o “desconhecido da mesa ao lado” não sofria do mal do amor e muito menos de desamor. Não sofria das mesmas mazelas, da mesma rotina solitária de quem perambula por ai procurando na bebida uma amiga fiel. Uma companheira estável que toma a cabeça depois do terceiro copo.
O abandono era certeiro. E mesmo sabendo disso evitava a sobriedade como quem evita a si mesmo. Como quem tem medo de encarar todas as conseqüências de uma pós-bebedeira fatal.
Considerava-se um ser sem solução. Pediu para a família desistir. Implorou para os amigos o abandonarem. Fez o que fez e conseguiu. Não tinha mais teto, não havia mais tapete de “lar doce lar” o esperando diariamente na frente de sua casa. Era recepcionado pela bebida e pela constante fumaça que saia de sua boca.
Um copo de cachaça em cima da mesa e na boca o cigarro mais barato que vendia naquele bar. O lar.
Um comentário:
Certamente ele buscou abrigo nas coisas erradas... mas não podemos julgar.
Realmente, cada um bebe por motivos diferentes e pensam que quem está sóbrio precisa aguentar suas lamentações, chega a ser um tanto quanto engraçado. Enfim, mais uma vez adorei teu texto.
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