sábado, 5 de junho de 2010

Três letras, uma palavra.



Rafaela, desde os oito anos de idade adquiriu, com auxílio da avó, grande conhecimento da técnica do origami. Fez passarinhos, barquinhos, animais, tudo o que qualquer um pode imaginar.
Antes mesmo de entrar no colégio, aprendeu a fazer o alfabeto com simples pedaços de papel. Além de ter tido mais facilidade na hora de aprender a escrever e a ler, tal fato fez com que ela se tornasse uma pessoa mais paciente.
Infelizmente, as coisas sempre acabam mudando, e na transição da adolescência para a vida adulta, um turbilhão de emoções e sensações roubaram a tranqüilidade da menina.
Sentia que não conseguiria dar conta de todas as responsabilidades que apareceriam no decorrer do tempo. Desejou voltar a ser criança, a não tomar decisões por si mesma e até mesmo o amor – sentimento desafiador – não queria mais sentir.
O que faltava era equilíbrio. Vivia andando na corda bamba, tropeçava no meio fio das calçadas. Por vezes, se confundia com os próprios passos. Eram tempos difíceis, sabia disso.
Dentre todos os momentos, a madrugada era hora mais tranqüila das 24 concedidas diariamente. Foi nesse espaço de tempo, há meses atrás, que decidiu voltar a fazer o que sempre gostou: origami.
Precisava de papel. Fuçou as malas, as gavetas e algumas caixas. Não encontrou nada. Pensou em deixar a vontade para o dia seguinte quando, de repente, se lembrou que não tinha mexido em tudo.
Lembrou-se que tinha deixado uma caixa debaixo da cama logo que mudara. Ajoelhou-se, abriu-a. Passarinhos, barquinhos, e o alfabeto que havia feito quando criança. Apesar de tanto tempo, lá estava tudo.
Retirou item por item com olhos totalmente marejados. Cada dobradura trazia uma recordação. Decidiu, naquele momento, que tiraria aleatoriamente as letras que foram feitas de papel. Esperava um sinal.
Fechou os olhos e a primeira, sem mais sem menos, foi A. Depositou a mesma no chão. Colocou a mão na caixinha novamente e tirou um Z. Achou estranho. Fez o mesmo procedimento pela terceira vez e um P saiu de lá de dentro.
Juntou-as e P-A-Z foi a palavra que se formou. Ficou chocada. A junção de três letras nunca fez tanto sentido na vida de alguém.
De tanto pensar, pegou no sono. Ao abrir os olhos, notou que havia dormido no chão, e sentia, no fundo do peito, aquela tranqüilidade que fora perdida. Decidiu, desde então, que pediria paz a cada raiar de um novo dia. Mudanças.

2 comentários:

André Luiz . disse...

Lindíssimo Gabi, lindíssimo!
Paz é tudo o que falta nesses dias conturbados em que vivemos e relegamos os menores e mais importantes sentimentos como esse! Parabéns mais uma vez!

pequeno erudito disse...

Um dia de cada vez e chegaremos lá. Tem sido o meu lema.

Gostoso ler isso e lembrar da minha própria infância, dos origamis que eu mesmo fazia. Ainda hoje, quando me pego sem ter o que fazer ou pensar, e papel sobrando, me pego fazendo um tsuru ou um cachorro.

Beijos, Gabi.