O jogo sempre vira

Escrito ao som de Teu Quarto do Filipe Catto

Comprava pessoas assim como comprava leite no supermercado. Na maior cara de pau, estipulava prazo de validade para qualquer um que aparecesse na sua vida. Encarava todos como substitutos. Substitutos de todas as suas dores.
Mesmo sabendo que ninguém conseguiria passar do prazo que estipulou, permitia que qualquer um se apegasse. Era tão convincente que conseguia que dessem a vida por ele. Era tão cheio de artimanhas que mesmo quando fazia parte do passado, dava um jeito de aparecer no presente.
Retornava em formato de mágoa, raiva e desespero. Tinha fisionomia de um fantasma e assombrava a vida daqueles que um dia quiseram o ajudar. Nem as maiores mandingas tinham o poder de fazê-lo desaparecer.
Estava presente nas músicas, nas palavras e sempre arrumava um jeito de ser assunto nas rodas de amigos. Sugava todas as coisas boas que alguém poderia ter. E não obstante, deixava esse alguém com o resto.
Não tinha dó e nem piedade. “Pois que se vire. Pois que se reconstrua com o que sobrou”, pensava. E em seguida, consultava seu caderninho para saber quais eram as próximas necessidades.
Estava sempre em busca de preenchimentos temporários para suas lacunas provisórias. Por isso, escolhia as vítimas a dedo. Tinha preferência por pessoas carinhosas e que não mediam esforços para suprir sua carência insuportável.
Sim. Mas até quando?
Certa vez conheceu uma garota. Ela, como todas que vieram antes, já tinha seu prazo estipulado. Assim como as outras, a sua estadia também seria curta. E não foi.
De dono da história, ele passou a ser vítima. Perdeu o controle das anotações em seu caderninho. Esqueceu que ela era substituta e no final das contas, ficou sozinho.
Ela se cansou de tanta carência, de tanta indecisão e resolveu partir. Não disse adeus, não disse para onde iria e nem deixou um bilhete. Simplesmente foi.
Foi embora com a certeza de que mais cedo ou mais tarde o jogo sempre vira.
Por isso, cuidado!