Texto encontrado no fundo da gaveta.
Who am I?, perguntou para si mesma logo que abriu os olhos de manhã. Silêncio absoluto. Não houve nenhuma resposta. Só se sentia nauseada e tonta. É que no dia anterior tinha exagerado na bebida. Não sabia quantas taças de vinho havia bebido.
Esticou o corpo. Sentou na beira da cama e olhou para os pés. Observou os dedos, as unhas vermelhas. E por instantes achou interessante o fato de poder se mexer.
Gargalhou.
Num movimento brusco, se levantou. Alongou os braços, as costas e o pescoço. Cambaleante, caminhou até o banheiro. Tirou toda a vestimenta e entrou debaixo do chuveiro.
Era magra, ou melhor, muito magra. Os cabelos longos atingiam a metade das costas. Não tinha seios fartos. As coxas e o quadril seguiam a mesma linha. Mas mesmo assim era bonita.
Os olhos eram grandes e negros. A boca pequena e bem vermelha. E o nariz levemente arrebitado e proporcional ao tamanho do rosto. Nele, tinha algumas pintas bem pequenininhas. O seu charme.
Cumpria o mesmo ritual toda vez que tomava banho. Media a temperatura da água com um dos pés. Depois molhava as costas e finalmente o corpo todo. Volta e meia, gostava de escrever no vapor que se formava dentro do Box.
Who am I?, escreveu. Vendo as letras sumirem, respondeu: Ora boa, ora má. Ontem moça, hoje mulher. Minutos depois continuou: Sou muitas em uma só. Sou uma em muitas. Personagem cheia de alter egos.
Observou a mão e percebeu que os dedos já estavam enrugados. Hora de sair do banho.
Pegou a toalha e se enrolou nela. Ainda desnorteada, andou lentamente até a cozinha. No ar, sentiu o cheiro dos morangos que havia comprado na manhã do dia anterior.
Chegou perto deles e escolheu o mais graúdo. Comeu.
Não se dando por satisfeita, decidiu que comeria mais um. Analisou. Pegou quase todos na mão. Queria o melhor, aquele que lhe desse o prazer de sentir a fruta derreter na boca.
Encontrou o perfeito. O mais bonito, o mais graúdo e o que parecia mais saboroso de todos. Abriu a boca, inclinou a cabeça e pegou bem no cabinho do morango. Quando ia morder, reparou que ele estava repleto de pontos verdes. Mofo.
Sentiu os movimentos em câmera lenta. Pensativa, fitou o morango mofado por horas. E sussurrou para o além: Nem tudo parece o que é. Existem pontos verdes dentro de mim. Sou como um morango. Doce e mofada. O mofo tem gosto amargo. Amargo como o não saber.
Colecionava alter egos e os colhia como se fossem morangos.
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