sábado, 16 de abril de 2011

Sabores

Texto encontrado no fundo da gaveta.


Who am I?, perguntou para si mesma logo que abriu os olhos de manhã. Silêncio absoluto. Não houve nenhuma resposta. Só se sentia nauseada e tonta. É que no dia anterior tinha exagerado na bebida. Não sabia quantas taças de vinho havia bebido.
Esticou o corpo. Sentou na beira da cama e olhou para os pés. Observou os dedos, as unhas vermelhas. E por instantes achou interessante o fato de poder se mexer.
Gargalhou.
Num movimento brusco, se levantou. Alongou os braços, as costas e o pescoço. Cambaleante, caminhou até o banheiro. Tirou toda a vestimenta e entrou debaixo do chuveiro.
Era magra, ou melhor, muito magra. Os cabelos longos atingiam a metade das costas. Não tinha seios fartos. As coxas e o quadril seguiam a mesma linha. Mas mesmo assim era bonita.
Os olhos eram grandes e negros. A boca pequena e bem vermelha. E o nariz levemente arrebitado e proporcional ao tamanho do rosto. Nele, tinha algumas pintas bem pequenininhas. O seu charme.
Cumpria o mesmo ritual toda vez que tomava banho. Media a temperatura da água com um dos pés. Depois molhava as costas e finalmente o corpo todo. Volta e meia, gostava de escrever no vapor que se formava dentro do Box.
Who am I?, escreveu. Vendo as letras sumirem, respondeu: Ora boa, ora má. Ontem moça, hoje mulher. Minutos depois continuou: Sou muitas em uma só. Sou uma em muitas. Personagem cheia de alter egos.
Observou a mão e percebeu que os dedos já estavam enrugados. Hora de sair do banho.
Pegou a toalha e se enrolou nela. Ainda desnorteada, andou lentamente até a cozinha. No ar, sentiu o cheiro dos morangos que havia comprado na manhã do dia anterior.
Chegou perto deles e escolheu o mais graúdo. Comeu.
Não se dando por satisfeita, decidiu que comeria mais um. Analisou. Pegou quase todos na mão. Queria o melhor, aquele que lhe desse o prazer de sentir a fruta derreter na boca.
Encontrou o perfeito. O mais bonito, o mais graúdo e o que parecia mais saboroso de todos. Abriu a boca, inclinou a cabeça e pegou bem no cabinho do morango. Quando ia morder, reparou que ele estava repleto de pontos verdes. Mofo.
Sentiu os movimentos em câmera lenta. Pensativa, fitou o morango mofado por horas. E sussurrou para o além: Nem tudo parece o que é. Existem pontos verdes dentro de mim. Sou como um morango. Doce e mofada. O mofo tem gosto amargo. Amargo como o não saber.

Colecionava alter egos e os colhia como se fossem morangos.

Nenhum comentário: