sexta-feira, 7 de junho de 2013

Simplicidade

Trajava as roupas mais simples que alguém poderia ter. Lépida e faceira, a moça dos cabelos encaracolados tinha os olhos castanhos, que refletiam as cores do mundo. O universo, para ela, era colorido e cheio de formas. Formas que a sua mente inventava. Ainda mais na adolescência, onde tudo começa a acontecer. 

Adorava passear pelas ruas e cumprimentar as pessoas. “Bom dia, Dona Márcia”, “Boa Tarde, seu Maurício”. Nestas horas nem os cachorros escapavam de seu imenso carinho. “Epitáfio, como você está lindo hoje”, e acariciava o pelo lustroso do animal que, empolgado, dava inúmeras lambidas no rosto dela. 

Ela já havia transcendido a imensidão do amor. Tinha dias que não se aguentava e sentia o seu coração transbordar como um copo mais do que cheio. Amava a tudo e a todos. Isso porque, no seu coração, sempre cabia mais um. “Esta mocinha tem o coração do tamanho do mundo”, dizia o seu Gustavo, idoso do bar da esquina, que carecia de atenção e longos dedos de prosa.

A verdade que a faceira dos olhos castanhos, apesar dos inúmeros sofrimentos da vida, sempre fora assim. Quando criança, não recebia muito carinho dos pais. Afinal, além dela, o casal tinha mais nove filhos. Sendo a mais velha, cuidava de todos e, por vezes, desempenhava a função de mãe. Talvez tenha sido daí que a necessidade de amar o próximo, independentemente das circunstâncias, tenha surgido.

Na adolescência, passou por alguns desamores. Desamores que dilaceraram a sua alma e endureceram o seu coração, que, em menos de semanas, já estava molenga de novo. Aliás, a cada pancada, o seu coração ficava ainda mais mole. “Você não aprende, menina. O sofrimento com você tem efeito reverso. Está na hora de aprender a ser boazinha apenas com as pessoas que querem o seu bem”, aconselhava Benedito, servente da escola na qual a garota continuava a frequentar, por alguns anos, mesmo depois de ter concluído o ensino médio.

E, de fato, ela não aprendia. Acreditava que, sendo boa com os outros, o mundo conspiraria ao seu favor. Afinal, tudo o que é feito com o coração tem o poder de deixar o dia de alguém ainda melhor. “O que falta no mundo são pessoas carinhosas. A velocidade da vida tem consumido o tempo de todos. Falta tempo até para abraçar o outro”, indignava-se a menina, que, desde novinha, optou por ser diferente.

A vida adulta finalmente chegou. Enganam-se aqueles que acharam que a personagem desta história poderia mudar. Ela permaneceu igual. Passou a vida toda, até a velhice, trajando roupas simples e, em seus olhos, ainda refletiam as cores do mundo, que, com o passar dos anos, tornaram-se cada vez mais intensas. O coração também continuava o mesmo, como uma casa que sempre cabe mais um.

Um comentário:

Ana de Pasárgada disse...

Chega a ser bizarro o modo como eu me identifico com as 1° e 3° estrofes.
Lindo demais.