Mudo compulsivamente os canais à procura de algo que preste. Na televisão a mesma programação de sempre, com toda aquela informação pronta para ser digerida. Engolida pelos pobres telespectadores que tem preguiça de pensar.
Em um canal passa aquele mesmo filme de sempre. Em outros, programas de igreja, de auditório, de fofoca. Detesto todos. Mesmice.
Mudando e mudando, decido assistir o que mais odeio. Escolho aquele programa de auditório. Justamente aquele que mais expõe a vida das pessoas. Paro nele e começo a adentrar a um mundo que não faz parte do meu.
O primeiro pensamento: tudo bem, as pessoas têm problemas, mas não precisa ficar mostrando o que se passa dentro de casa na televisão. Segundo pensamento: por que será que Fulano brigou com Beltrana? Terceiro pensamento: estou me envolvendo demais com isso, acho que vou mudar de canal. Quarto pensamento: deixa, já que comecei a assistir, vou até o fim, sou forte.
Brigas e mais brigas. Mulheres quase se estapeando por um homem. Casos e mais casos. Todos fúteis, iguais, discussões de família mal resolvidas que se estendem para fora da própria casa. Perda total de controle. Incompetência.
De repente algo interessante. Uma menina entra sozinha no palco. Suas vestes são simples e seus olhos mostram uma coragem inigualável. A apresentadora – que não sei o nome – pergunta o que ela está fazendo lá. Com um vocabulário puro diz que sofre por amar demais, por amor não correspondido, por tentativas e mais tentativas de conquista que até agora não tiveram nenhum fruto. Diz que não tem mais paciência, que sabe que precisa ver a vida com mais realidade e deixar o mundo das ilusões um pouco de lado. E que não consegue.
Aposto que essa Fulana de tal vai abrir a boca pra falar algumas filosofias bem baratas; penso. Eis que a apresentadora adquire uma postura totalmente diferente. Transforma-se em uma pessoa bem mais branda, menos agressiva. Um pouco mais sensível. Diz que não adianta ficar reclamando sobre coisas mal resolvidas da vida, que o tempo que ela perde fazendo isso é o mesmo tempo que poderia tomar alguma atitude parar fazer alguma mudança. Não uma mudança nas situações em que descreveu, e sim alguma mudança interna. Algo só dela.
Inteligente essa Fulana; penso. E meu interesse pela situação da garota fica cada vez maior. De corajosos seus olhos passam a ter um ar pensativo e recluso. Cala-se por um tempo e logo depois alega que sabe de tudo isso e que só precisa de resultados. Mas que concorda com todas as palavras em que a mediadora do programa disse.
Pausa para os comercias. Inconscientemente meu cérebro começa a pensar somente no que foi visto. Tira suas próprias conclusões, mastiga com os neurônios tudo o que foi escutado. E acaba mandando para meu corpo sensações de que tudo o que foi dito faz sentido.
Desligo a televisão sem saber exatamente como a história terminou. Mas continuo a pensar sobre tudo o que vi. Penso que se estivesse no lugar da apresentadora, teria dito outras coisas mais.
Teria dito para menina esperar um pouco mais já que ela já chegou aonde chegou. Que colher os frutos de algo que foi plantado leva tempo. Isso porque precisa regar a semente quase sempre até o momento que o primeiro fruto florescer. E que depois é preciso ter paciência durante o cultivo para que a planta fique forte e sadia para que possa ser colhida um dia. Depois disso é necessária a espera das tais borboletas que só aparecem se todo o processo for feito corretamente.
Diria também que se essas borboletas não voltassem era porque não tinha que ser. Mas que era para ela não perder as esperanças diante de tantas coisas boas que a vida carrega. Que ela é maior que tudo e que é a única que pode delimitar seu tamanho.
Depois de tantos “eu diria”, decidi que a partir daquele momento começaria a respirar paz e inspirar paciência. Que pararia de reclamar tanto e que substituiria todo esse tempo perdido por outras coisas mais importantes do tipo: viver.
Pois é. Até que aquelas filosofias baratas não eram tão baratas assim.
Um comentário:
Gostei da livre expressão da escrita. Visitarei mais vezes este blog.
Parabéns!
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