sábado, 7 de agosto de 2010

Devolva-me

Ao som de Devolva-me da Adriana Calcanhotto.

Entrei no elevador e logo fui apertando o número 12. No corredor Devolva-me soava cada vez mais alto, e eu, não sabia o que fazer. Não sabia se voltava para meu apartamento no andar de baixo ou se tocava a campainha e oferecia ajuda.
Entre tantas dúvidas, parei de frente à porta. Mesmo relutante, levei minha mão até a campainha e resolvi tocá-la. Não ouvi passos. Não houve nenhum tipo de movimentação.
Preocupado, encostei a mão na maçaneta e notando que não estava trancada, entrei sem pedir licença. No chão havia um rapaz sentado com a cabeça entre as pernas e rodeado de fotos, cartas rasgadas, presentes. Por conta de estar no repeat, Devolva-me parecia não ter fim. Pílulas, latas de cerveja e lenços de papel completavam o cenário.
Devagar, me aproximei e sentei ao seu lado. Aos poucos ele levantou a cabeça e entre lágrimas, disse: “Ela me deixou e me pediu para devolver tudo. Quer as cartas que escreveu para mim, as fotos que tiramos juntos e os presentes que me deu quando ainda namorávamos.”.
Antes de dizer o que pensava sobre aquilo, expliquei o motivo do meu aparecimento repentino, já que recusei inúmeras vezes, o convite que meu vizinho de cima fazia para tomarmos uma cerveja no final de semana quando nos esbarrávamos no elevador por acaso. “Não estava passando por um momento bom quando você me chamava para ir até algum bar”, eu disse.
Contei à ele que naquela época passei por algo parecido e que também fui deixado. Que ela levou tudo, tirou de mim todas as lembranças boas por causa das coisas horríveis que me disse quando resolveu ir embora.
Visivelmente abalado, pegou uma das fotos mais bonitas e abraçou-a como se, naquele momento, abraçasse a mulher que tanto amou. Em seguida, tirou-a do porta-retrato e colocou junto com as outras coisas que tinha que devolver.
Passou a mão nos olhos para secar as últimas lágrimas e disse: “Ela pode levar tudo, porque nada e nem ninguém pode tirar de mim o que ficou. Fotos, cartas, presentes são apenas a simbologia de qualquer tipo de sentimento. Comigo, só tenho as lembranças e ninguém pode tirá-las de mim.”.
Balancei a cabeça como quem concorda com tudo o que ouve e me dirigi até o rádio com a intenção de parar com aquela música. Ele me impediu dizendo que queria curtir aquele dia de fossa e que as coisas mudariam a partir daí.
Fui embora devendo inúmeras idas ao bar e com a sensação de que fui mais ajudado do que ajudei. Afinal, tinha comigo de volta as lembranças dos anos que passei com ela, mesmo com as palavras horríveis que me disse quando resolveu ir embora.

A vida merece continuidade. Para cada término, um capítulo novo.

2 comentários:

André Luiz . disse...

Pois e, pra cada fim um novo começo. A certeza da meia-noite e que a noite vai clarear outra vez... Parabens pelo texto, Gabi.

Gabi Pasquale disse...

Começo, meio e fim. Um ciclo.