terça-feira, 22 de novembro de 2011

O que não podia ser

Era uma ensolarada tarde de domingo. Ele cuidava de todo os preparativos do piquenique que fariam daqui duas horas. Separou a tolha xadrez, arrumou a cesta de palha. Fez os lanches, os sucos, cortou as frutas e até preparou o bolo que ela mais gostava.
Tudo estava em ordem. O tempo estava maravilhoso. Os passarinhos cantavam suas simpáticas canções. E ele, com a sensação de dever comprido, contava as horas para chegar ao parque e passar lindos momentos ao lado dela.

- Amor, já está pronta? Está na hora de irmos! – disse impaciente.
Não houve reposta. No lugar, um longo silêncio ensurdecedor tomou conta de toda casa.
- Amor, está pronta? – disse preocupado.
Entrando no quarto viu os armários abertos, as malas em todo canto e uma moça arrumando suas coisas desesperadamente.
- Rita, o que está acontecendo? A gente volta ainda hoje. Não precisa arrumar nada. – olhou bem para ela e fingiu que não sabia o que estava se passando ali.
Ela se manteve em silêncio. Ele se colocou na frente dela.
- Parece que você não percebe. Estou indo embora daqui! - esbravejou sem hesitar.

O silêncio, mais ensurdecedor do que de costume, calou o casal. Desde que se conheceram, eram tão apaixonados. Nunca cogitaram a possibilidade de um dia se separarem. Tinham uma relação harmoniosa que chegava a dar inveja a muitas pessoas.
Rita continuava a arrumar as malas. Cega, não notava a presença dele. Mal o ouvia, mal falava. Rapidamente ele se tornou um mero desconhecido, um alguém que não dividiu nenhuma parte da sua vida.

- Rita, fala comigo! O que fiz de errado? – ele já andava em círculos pelo quarto e tinha os olhos cheios de lágrimas.
- Você não precisa de mim. Nunca precisou e não será agora que isso vai mudar. – falou com toda certeza do mundo.
- Como não? Até fiz o bolo que você mais gosta...
- Nosso relacionamento se resume em um bolo? Não preciso de alguém fazendo ou deixando de fazer as coisas por mim! - enquanto falava, gesticulava descontroladamente.
- Preciso de você, Rita! E nosso planos, o que vamos fazer com eles? – tentou abraçá-la, mas foi impedido por ela.
- Planos? Jogue-os no lixo. É capaz que amanhã mesmo você encontre outro alguém. Outro alguém que esteja disposto a encarar todas as suas maluquices.

Sem saber o que fazer, ele se sentou na cama, levou as mãos até a cabeça e se calou. Não queria outra pessoa, queria Rita. Sabia que ela era difícil e cheia de manias, mas nunca esperou total descontrole.

- Meu bem, disse ele, vamos ficar de bem. Vamos ao parque, lá você esfria a cabeça. Por favor.

Mais calma, Rita, se sentou ao lado dele. Apoiou os braços nas pernas e deitou sobre eles. Precisava de um tempo. Ele era o cara perfeito, o cara que sempre quis. Só que estava cansada.

- Você já parou para pensar que chegamos ao mundo sozinhos e vamos embora sozinhos? Não entendo essa mania que as pessoas têm de acreditar que uns são essenciais aos outros. Nós éramos assim...
- Ainda somos...
- Você não precisa de mim para viver – repetiu enquanto olhava para ele.
- Mas eu amo você, poxa! – havia tristeza em sua voz.
- Eu também te amo e por te amar, quero que você continue sua vida sem mim. A sua vida tem sido só eu. Você me respira o tempo todo, mal cuida de você.
- Cuido sim. Cuidar de você é cuidar de mim. Cuidar... você – confuso, ele não sabia o que dizia.

De repente, Rita ergueu o corpo e começou afagar os cabelos do amado. Ele, mesmo chateado, deitou em seu colo. Não queria perdê-la, de maneira alguma. Sabia que ela estava decidida.

- Preciso ir.
- Você não pode ir. Fica. Por mim. Por nós.
- Não, eu vou. Tenho que te deixar.
- Deixo, mas vou junto.
- Você vai comigo,
- Vou?
- Vai... dentro de mim.

Não havia mais jeito. Ele e ela. Gostar, às vezes, não adianta nada. Por maior que seja o amor, é melhor partir antes que se transforme em desamor. Ela prezava pelas lembranças. Ele, pela presença.

- Não esquece nunca, eu te amo.
- Não esqueço nunca, você me ama.

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